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Monge Kōjun: O Budismo e a Sexualidade

A linhagem budista da qual faço parte é a Sōtō Zen, uma das Escolas de Zen Budismo japonesas, fundada por Mestre Eihei Dōgen, no século XIII, e sou discípulo de Shingetsu Coen Sensei (Monja Coen), fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil – Templo Taikozan Tenzuizenji – São Paulo-SP.

Acreditamos que não há separações entre os seres desse mundo e mesmo entre esses e o próprio mundo. Assim, costumamos utilizar o termo “interser”, pois entendemos que tudo o que existe está interconectado, ou seja, cada um de nós é como uma das fibras que compõem um mesmo tecido, e esse tecido é toda a vida da terra. Portanto, por entendermos que não há quaisquer distinções entre nós e o mundo, bem como quaisquer distinções entre nós e os outros seres (humanos ou não), acreditamos que não há razões para nutrirmos quaisquer preconceitos. Isto porque acreditamos que todos os juízos (ou pré-juízos) são produções de nossa mente e decorrem da tentativa de valorizar, desvalorizar, categorizar ou mesmo hierarquizar visões de mundo, práticas e condutas ou, no caso de suas questões, orientações sexuais. As produções mentais, bem como os fenômenos do mundo, não possuem valor em si mesmas e tampouco são capazes de abarcar a complexidade de nossas vidas. Um dos pilares do Zen Budismo é a prática do Zazen (sentar-se em zen) e essa prática visa nos observarmos e nos conhecermos, para reconhecermos em nós mesmos essas falsas idéias de que somos isso ou aquilo, de certo e errado.

O que buscamos, com nossa prática, é reconhecer em nós esses pré-conceitos, esses pré-juízos, e eliminarmos essas separações e diferenças que colocamos ou fazemos entre nós e os outros seres sem, contudo, desrespeitar suas diferenças, suas individualidades. Tomamos o cuidado de perceber em nós mesmos essas diferenças todas e, em última análise, reconhecer que elas existem e são importantes, mas não para nos separarmos ou criar segregações, mas para melhor compreendermos tais diferenças como constituintes da diversidade em nós e no outro. Procuramos aceitar com alegria e gratidão essas diferenças, pois são elas que nos tornam iguais. Não precisamos ser da mesma maneira, agir das mesmas formas, utilizar as mesmas roupas ou ter estas ou aquelas práticas iguais para que nos reconheçamos como tal mas, ao contrário, buscamos perceber que as diferenças são o que nos une e nos permitem identificarmo-nos como semelhantes. Isso significa que o respeito é fundamental para que esse interser possa se dar. Logo, não há quaisquer restrições quanto a orientação sexual daqueles que praticam o Zen. Costumamos dizer que todos os seres possuem a Natureza Buda, a Natureza Iluminada, independentemente de seu gênero, de suas práticas sexuais ou quaisquer outras diferenças que possa haver entre os seres. Assim, todos podem praticar Zazen indistintamente, pois aquilo cuja prática se dedica está além das diferenças de gênero ou de orientação sexual. Isso não quer dizer que, para o Zen Budismo, tudo é permitido. Temos como compromisso fazer o bem a todos os seres, o que implica em buscarmos uma prática que não seja prejudicial, que não cause dor e sofrimento ao outro. Quaisquer atos nossos não comprometidos com isso, leva-nos a provocar sofrimento (ao outro e a nós mesmos) e isso vale para as questões ligadas à sexualidade também. Se agirmos com leviandade em relação ao sexo, por exemplo, geramos sofrimentos. Temos por dever procurar compreender os resultados de nossas ações. No Budismo, há um dos Preceitos Budistas (ou seja, uma das regras às quais os praticantes se comprometem a respeitar), que versa sobre não fazermos mau uso da sexualidade, o que implica em estarmos atentos aos sentimentos e mesmo à integridade física daqueles que escolhemos como objeto de nosso desejo. Devemos nos perguntar se nossos desejos e práticas não serão causa de sofrimento àquele ou àquela a quem nosso desejo se dirige, bem como a nós mesmos. Devemos estar atentos à capacidade do outro de compreender e estar naquela relação sem que isso se transforme em dor. O ato sexual deve ser uma prática na qual os envolvidos estejam inteiros e conscientes do que estão fazendo, bem como das consequências do mesmo. Portanto, não se trata de dizer se a heteronormatividade é melhor ou de dizer que a homoafetividade prejudica ou não a alguém. Antes, trata-se de preocuparmo-nos com nossos sentimentos e integridade física, bem como com os sentimentos e integridade física de nossos parceiros e/ou parceiras. O sexo faz parte da vida, mas, o ato sexual não se restringe à existência e manutenção da mesma. Ele também nos proporciona prazer e pode e deve ser praticado com esse fim, desde que o pratiquemos observando essas questões anteriormente expostas. Assim, tendo em mente que nosso foco está em não praticar o mal ou quaisquer atos que gerem sofrimentos aos outros e a nós mesmos, pode-se dizer que nossas crenças não se opõem ao Casamento Homossexual, pois entendemos que a homossexualidade é apenas uma das possíveis formas de os seres se relacionarem e, se isso se der com respeito e cuidado mútuos, não há razões para haver quaisquer oposições. Da mesma maneira, não há razões para nos opormos à adoção de crianças por casais homossexuais por entendermos que tais casais poderiam oferecer as mesmas condições socioeducativas que um casal heterossexual poderia oferecer a uma criança. Afinal, o afeto, o cuidado e a educação que um pai, uma mãe ou mesmo um casal heterossexual ou homossexual possam oferecer a seus filhos não estão relacionados ou são inerentes à orientação sexual parental. Mãos em prece!

* Artigo originalmente publicado na Revista "Bivoltz Magazine" em http://www.bivoltz.com.br/component/k2/item/30-budismo-e-a-sexualidade.html

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